Entre os 16 nomes que foram anunciados pelo presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva (PT) para liderar os ministérios a partir do dia 1º, o do deputado federal Juscelino Filho (União-MA) foi um dos que mais geraram polêmica. Indicado pelo petista para ficar à frente do Ministério das Comunicações, o parlamentar foi alvo de uma série de críticas vindas principalmente de especialistas que acompanham o tema das políticas do setor no país.
O ponto crucial da discórdia envolve a raiz ideológica de Juscelino, que, entre outras coisas, votou pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016, fez coro pela prisão de Lula em 2018 e compôs a base parlamentar do presidente Jair Bolsonaro (PL). O ex-capitão teve um mandato marcado por diferentes ações extremistas, incluindo o aparelhamento da comunicação pública e a associação de personagens do governo à indústria de fake news.
A professora Helena Martins, do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), disse ao Brasil de Fato que reage à indicação com “profunda indignação”. Integrante do Grupo Técnico (GT) de Comunicação que atuou na equipe de transição de governo, a jornalista aponta que a escolha é diferente do perfil recomendado pelos especialistas do GT ao longo dos últimos dois meses, quando o grupo analisou a atual situação do ministério e apontou caminhos para a qualificação dos trabalhos coordenados pela pasta.
“Nós desenhamos uma proposta de ministério que fosse absolutamente ligada à defesa da democracia, um ministério que fosse capaz de desenvolver políticas públicas pra promoção da diversidade e pluralidade na radiodifusão, que tivesse uma atuação no ambiente digital, inclusive que participasse com centralidade do debate de regulação de plataformas ”, diz ela.
Alinhada com o que defendem outros pesquisadores da área, Helena Martins tem a compreensão de que o setor é elementar para as disputas políticas contemporâneas e por isso precisa de uma gestão estratégica, que corresponda às necessidades dos novos tempos. A professora, que também integra o coletivo “Diracom – Direito à Comunicação e Democracia”, vê a decisão de Lula como “anacrônica”.
“A escolha de um bolsonarista para o Ministério das Comunicações vai contra tudo isso e, mais uma vez, mostra como o PT e o próprio presidente Lula não compreenderam o debate da comunicação e como ela é fundamental pra discussão e a conquista da sociedade. Não adianta ganhar votos no Congresso e entregar a disputa da sociedade, para a qual a comunicação é fundamental, para o bolsonarismo. Isso é completamente inadequado com o que é a política no século XXI. Ela não se faz só nas arenas institucionais. Ela se faz nas redes, pela televisão, nas ruas”, exemplifica.
Matemática
A vaga de Juscelino entre os 16 nomes anunciados nesta quinta atendeu um pedido do União Brasil, sigla alinhada à direita que abocanhou três ministérios – além do das Comunicações, o partido ficou com as pastas do Turismo e da Integração Nacional. O acordo em torno do nome do parlamentar do Maranhão para o cargo foi alinhavado pelo senador Davi Alcolumbre (AP), ex-presidente do Senado e atual líder da sigla no Senado. Em troca, a gestão Lula terá o apoio do partido em seu governo.
O deputado já pertenceu também a outras legendas conservadoras. Ele foi filiado ao MDB no período entre 2015 e 2016 e, depois, ao DEM, sigla que se ligou ao PSL – partido que elegeu Bolsonaro em 2018 – para formar o atual União Brasil. A possibilidade de a pasta das Comunicações ficar a cargo desta última sigla ou de algum outro partido de direita já vinha sendo anunciada pela imprensa e bastante criticada por especialistas e entidades civis, que chegaram a publicar um manifesto contra a ideia.
Chamou atenção ainda, por exemplo, o fato de Juscelino não ser um nome conhecido pelo presidente Lula, o que passa a ideia de não ser exatamente um personagem político com o qual o ex-metalúrgico tenha relação de confiança. Segundo informações publicadas pelo colunista Igor Gadelha, do portal Metrópoles, o petista teve um primeiro contato com o futuro ministro somente momentos antes do anúncio, quando se reuniu em Brasília (DF) durante cerca de 20 minutos com o parlamentar no próprio Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da equipe de transição e local de onde Lula anunciou os últimos 16 ministros.
“A entrega do Ministério das Comunicações pra um parlamentar que sequer era conhecido do presidente Lula 20 minutos antes de ser anunciado como ministro revela o quanto o futuro governo preza e entende a estratégia que essa agenda pode desempenhar pra nossa democracia”, alfineta Bia Barbosa, representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) e também integrante do Diracom. O segmento teme, por exemplo, a continuidade da política de concentração de outorgas de concessões de rádio e TV nas mãos de políticos e setores mais conservadores.
“Lamentavelmente, a gente vai ter mais uma gestão do ministério restrita a uma pauta cartorial e de distribuição de outorgas, com o risco ainda de essas outorgas serem distribuídas pra aliados do União Brasil, incluindo aí políticos radiodifusores e igrejas, em vez de ser uma pasta que atue pra fomentar a diversidade e a pluralidade nos meios da comunicação, pra promover a inclusão digital, desenvolver políticas de enfrentamento ao fenômeno da desinformação e pra lançar no Brasil um debate significativo em torno da necessidade e urgência de se regular as plataformas, principalmente de redes sociais.”
Inclusão digital
Diante da polêmica, a equipe de Lula discute a possibilidade de remanejar para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) o segmento temático referente à área de inclusão digital. A Secom, que terá status de ministério, será liderada pelo deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), que explicou a proposta nesta quinta (29) ao jornalista Rodrigo Vianna na TV 247.
“A Secom acabou assumindo um protagonismo, um papel importante dentro do governo. O presidente Lula tem muita clareza sobre a necessidade de a gente pensar a comunicação pública como uma área e um aspecto estratégico do nosso governo.”
“É um ministério que terá seis secretarias, portanto, vai responder à várias áreas do governo. E agora – uma discussão de ontem para cá – nós definimos também trazer a área da inclusão digital, o debate da inclusão digital, para a Secom. É uma nova secretaria que será incorporada à Secom”, antecipou Pimenta.