Tanto os lances finais da sessão da CPI da Covid que ouviu o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, como a reação dos comandantes militares às declarações de Omar Aziz (PSD-AM) sobre a existência de um “lado podre” nas Forças Armadas tem que ser interpretadas à luz de um fato novo: a crença de que está escondido na Europa um dossiê que Dias preparou enquanto estava no Ministério da Saúde para se blindar de acusações.
Depois que o cabo da PM Luiz Paulo Dominghetti declarou à CPI ter recebido de Dias um pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina e teve o celular apreendido, o ex-diretor de logística foi demitido e percebeu que não teria alívio na CPI.
Logo, começaram a circular nos bastidores de Brasilia informações de que o afilhado político de Ricardo Barros (PP-PR) tinha feito um dossiê sobre casos de corrupção no ministério e iria à comissão disposto a entregar todo mundo.
O recado chegou à CPI por meio de gente próxima a Dias e mesmo de jornalistas, configurando a guerra de nervos que se deu antes do depoimento.
Quando Dias se sentou diante dos senadores, a expectativa dos membros do G7, o grupo de oposição e independente que comanda a comissão, era de que ele fizesse como o deputado Luis Miranda ou o PM Dominghetti e, cedo ou tarde, fizesse alguma revelação bombástica. Não foi bem o que aconteceu.
Embora a toda hora alguém perguntasse se era verdade que ele havia emails da Casa Civil de Bolsonaro pedindo para “atender pessoas” – tipo de informação que segundo os senadores estaria disposto a dar na CPI –, Dias negou.
Mas, quando Aziz o pressionou para dizer se tinha feito mesmo um dossiê, o ex-diretor do Ministério da Saúde não confirmou, nem negou, criando um suspense que só aumentou a tensão.
Renan Calheiros (MDB-AL) ainda apertou Roberto Dias para dizer quem era Ronaldo Dias, seu primo que é dono do laboratório Bahiafarma – e que, segundo disseram à CPI, estaria com o tal dossiê. O ex-diretor apenas confirmou o laço entre eles e não disse mais nada.
E aí entram os militares
No governo Bolsonaro, o ministério da Casa Civil, citado nas perguntas dos senadores, tem sido ocupado por generais. Hoje, o general Luiz Eduardo Ramos. Antes, o general Walter Braga Neto, que agora está no ministério da Defesa, e que coordenou o comitê de esforços contra a Covid montado pelo presidente Jair Bolsonaro. Portanto, citar a Casa Civil num dossiê, como sugeriu Omar Aziz, não seria trivial.
De imediato, porém, quem saiu chamuscado do depoimento foi um coronel. Segundo Dias, era Elcio Franco, o secretário-executivo do ministério, quem concentrava todas as negociações de vacina.
A todo momento, Dias empurrava as responsabilidades para o 02 de Pazuello. O diretor de logística contou ainda que teve os principais subordinados substituídos por militares assim que Pazuello assumiu o ministério, deixando claro que havia uma rixa entre ele e os militares.
Nas palavras de um membro da CPI bastante experiente em ocupação de espaços no governo, “os militares chegaram ao ministério da Saúde e constataram que o território já estava ocupado pelo Centrão”.
Foi nesse clima que, durante a sessão, o presidente da CPI Omar Aziz sapecou ao microfone que “membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo”.
E foi essa declaração que, pelo menos oficialmente, motivou a nota dos comandantes militares, dizendo que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro.”
O saldo final da crise ainda está por ser medido. Ao longo da noite, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e vários outros senadores, se esforçaram para diminuir a temperatura do conflito com os militares, expressando respeito às Forças Armadas. A preocupação, porém, continua.
Até porque Roberto Dias saiu do plenário preso, acusado de mentir à CPI, e foi solto horas depois, sob fiança. Mas, mesmo sem ter dito nada, deixou no ar seco de Brasília a crença de que ele ainda tem guardado, em algum lugar, um dossiê que pode explodir a República, levando junto a imagem dos militares no governo.